domingo, 31 de agosto de 2008

Lar pequenino lar


Viver num espaço reduzido pode soar claustrofóbico à primeira vista, mas um olhar mais cuidadoso mostra que é possível repensar nossas casas conforme o jeito como vivemos. Afinal, quanto espaço ocioso mantemos por status ou necessidades ilusórias?

Viver de forma mais simples e sustentável é o lema de Jay Shafer, o dono da Tumbleweed Tiny Houses, que desenvolve casas mínimas para quem acredita que quanto menor a casinha mais sincero o bom dia. Ele mesmo mora numa casa de 10m² projetada harmoniosamente de acordo com suas necessidades. Que viver assim é mais econômico e ecológico não há dúvida, mas o mais legal é descobrir que o movimento das small houses faz adeptos dentro de uma cultura onde, até então, viver de modo opulento e farto era sinônimo de sucesso e prosperidade.

O que prova que também esta idéia é mais um mito da sociedade contemporânea e que as pessoas estão buscando significados válidos muito mais dentro de si mesmas do que fora, como por exemplo, fazendo dos espaços onde moram vitrines do que realmente acreditam. Em tempo, até diria que esse movimento dialoga abertamente com a filosofia do necessário e útil do design shaker, cujo mobiliário deve cair como luva na decoração desses espaços.

Outra coisa bacana é perceber que estas casinhas geralmente estão no meio de árvores e muito verde. Uma tentativa de integrar o jeito de morar à natureza; estar rodeado por ela ao invés de dominá-la e subjugá-la, tranformando-a em selva de cimento e concreto. Quem é que não quer um petit chateau desses?

sábado, 30 de agosto de 2008

O que você possui?

via: flickr (Willie Chiang)


"Things you own, end up owning you" Esse aforismo do lendário personagem Tyler Durden do filme O Clube da Luta, que sempre cito nos posts quando quero falar sobre a ilusão do consumo, significa (para quem não entende inglês) que as coisas que você possui acabam te possuindo.

Pra quem entende inglês, português e até mandarin significa que nos colocamos dia após dia numa lógica absurda de nos matar de trabalhar com a finalidade de ter e ter cada vez mais coisas... afinal untill you have it all you can't be free... E que o acúmulo delas prova a toda sociedade que somos, com o perdão da redundância enfática; maiores, melhores, superiores e mais hegemônicos que os fracassados que nada possuem... Meio parecido com a fabulazinha da cigarra e a formiga: a contraposição alegórica entre a letalidade implícita no exercício da arte pela arte e a compensação advinda da racionalização do trabalho e extinção do tempo livre.

Mas este não é um post anárquico que continua o parágrafo anterior advertindo sobre as mazelas do trabalho mecanizado e o sacríficio do self enquanto meio de acúmulo de bens materiais... E nem expõe a hipocrisia latente em tal advertência...

Quem quiser ouvir sobre isso pode ler muitos Marx, Adornos, Bakunins e Galeanos.

O que há de novo e válido em toda essa idéia já tão gasta e inócua (inócua porque, no fim das contas, ninguém está nem aí com a baboseira teórica e queria mesmo era ter 4 ferraris e 7 BMWs na garagem de suas 5 mansões) é que parece que até o presente momento ninguém se deu conta de que esse "sonho de posse" só é possível para, chutando alto, 10% da população mundial. Sim, sei que não é uma estatística nova. Todos já cansamos de ouvir a notícia do jornal que insiste em repetir a desigualdade da concentração de riquezas no planeta.

O que ninguém parece perceber é que todos compramos e consumimos o sonho que só muito poucos podem de fato trazer para a realidade. E é justamente esse consumo ideológico que alimenta a aparente injustiça aqui declarada.

Seja pela finitude dos recursos ou espaços físicos e sociais existentes na nossa forma de estruturar as relações humanas, continuar acreditando que a posse material é um fim digno não vai fazer nunca com que o mundo se torne um lugar sustentável. Só poderia ser assim se as chances de todos fossem equânimes na hora da largada. E podemos dizer que são? Podemos dizer que serão someday?

Mas não nos abalemos. Sugiro que cada um que se decepcione com o determinismo desta conclusão, pare de trabalhar feito louco por 2 horinhas e assista a um filminho muito bacana chamado O Mágico de Oz. Não pela Dorothy e seu inseparável trio, nem pela bruxa má do leste ou pelo mágico charlatão. Mas pela mensagem purificadora dessa obra que, em linhas gerais, diz que nada do que nos pode ser tirado pertence realmente a nós.

Deixar-se ser possuído pelas coisas que acreditamos possuir, é o mesmo que deixar de cultivar o que de fato é nosso. Não que o trabalho não seja importante e que muito mais vale ser uma cigarra hippie e violonística sem nenhum vintém. Melhor é pensar que essa cigarra seja remunerada por seu trabalho e que durante o inverno tropical possa mesmo ser contratada para uma temporada em Saint Tropez. E que a formiga possa deixar seu inverno um pouquinho mais alegre ouvindo a amiga popstar no seu mp3 player enquanto descansa do fatigante trabalho da estação passada empanturrando-se com os cereais orgânicos que armazenou.

Isto significa que cada indivíduo é membro atuante de uma comunidade simbiótica e equilibrada, portanto, sustentável. Cada um ocupa o lugar que deseja ocupar por escolha e determinação das próprias atitudes. O que é diferente de ser engrenagem motriz de uma máquina de fazer dinheiro, tempo e felicidade pra alguém que nunca é ele próprio.

domingo, 17 de agosto de 2008

Tantas fadas que eu não vi


Cores, tantas cores
Tais belezas
Foram-se
Versos e estrelas

Tantas fadas que eu não vi

(Ab.sur.do: subst., masc. {latim} desagradável ao ouvido. Algo incoerente e que não faz sentido)

A espera


Filhos da Esperança é sobre um futuro onde e quando os seres humanos não podem mais ter filhos, e vivem numa reduzida sociedade condenada, já que colapsos sociais, destruição ambiental e terrorismo ajudam a construir a conjuntura de uma wasteland desesperadora...

Afinal... se não há futuro, conceitos como esperança, compaixão, bondade, justiça continuam fazendo sentido !?

A narrativa aberta desta distopia do diretor Alfonso Cuarón me deixou pensando sobre um dos capítulos contidos no livro A Luz da Verdade. Na dissertação "O mistério do nascimento", Abdruschin mostra que crianças trazem bençãos porque o nascimento delas é uma chance de remição espiritual para aqueles que as cercam.

Os cuidados e educação que crianças necessitam oferecem tantas oportunidades de exercício do amor ao próximo que é por isso que cada nascimento deve ser considerado uma dádiva e uma possibilidade de ascensão.

Associar essa visão ao filme o torna ainda mais especial. Se nenhuma criança nasce nessa sociedade da ficção é porque nenhum daqueles seres humanos merece mais evoluir espiritualmente? Perderam todas chances? Se sim, então esperança, compaixão, bondade, justiça realmente não fazem mais sentido... Mas será que um forte anseio conjunto por estes mesmos conceitos perdidos pode ser poderoso o suficiente para mudar o fim inevitável de tudo?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Porque eu estou indo para onde eu vou


Dia desses recebi um email contendo antigas profecias maias sobre o fim do mundo em um texto cheio de imagens atemorizantes e purificadoras.

Dia desses fiquei pasmada assistindo uma edição do Lavanderia da MTV em que uma garota repleta de tatoos e modificações corporais extravasava todo seu desprezo pelos seres humanos comuns (leia-se não tatuados e não modificados) ao mesmo tempo em que quase implorava por sua aprovação.

Dia desses li um capítulo de uma simplicidade contundente num livro da década de 90 em que um pai escreve cartas a seu filho sobre vários aspectos da vida masculina que necessitavam reflexão e cuidado no processo de aquele filho tornar-se um homem. Era uma carta sobre espiritualidade.

As profecias maias alertavam para um tempo onde sanções e códigos sociais deixariam de existir e o que pareceria permissividade em excesso ia determinar o modo de cada um julgar a si mesmo e equilibrar seus valores com seu próprio comportamento.

O barraco do programa de televisão soa como um paradoxo se o confrontamos com essa profecia.
A menina escolheu tatuar cada centímetro que tatuou e escolheu mutilar cada centímetro que transformou do próprio corpo. Cobrar a aprovação unânime do restante da sociedade não parece fazer muito sentido. Quem estava lá opinando contra ou a favor também não fazia muito sentido. Porque a real discussão não era acerca de arte corporal, cultura pop ou enquadrar pessoas dentro de paradigmas como descolados e caretas. No fundo, era uma discussão sobre valores arraigados nos espíritos de cada um.

O que leva ao terceiro item da proposição: a lição de espiritualidade que o pai ensina ao filho não era um dogma para que o filho seguisse determinada religião e nem era um código moral que ele desejava ver o filho respeitar. É mais profundo que isso. O autor assume que o cerne de cada religião está ligado à verdade e que cada uma funciona como um instrumento de uma grande orquestra. Cada pessoa toca o instrumento que melhor se encaixa ao seu espírito... O importante era o filho saber que cada religião era um caminho que conduzia ao mar. E que a escolha sobre que caminho seguir era muito pessoal. E que mesmo que nenhum instrumento o tocasse, ele desbravaria seu próprio caminho se acreditasse que o mar estava além. Ele alertou o filho de que também havia quem não escolhia caminho nenhum. Essas pessoas eram como sapos que viviam dentro de poços e que não acreditavam que havia mar.

A poesia da metáfora contida nesse capítulo, o absurdo do paradoxo apresentado no dilema da freakgirl e a atualidade de um dos aspectos de uma profecia da civilização há tempos extinta, surpreendentemente, mostram a mesma coisa. Viver de acordo com a verdade significa encontrar a verdade dentro de si mesmo. E só aí. Significa se comprometer com o caminho que escolhemos e nos sentir felizes e plenos com nossas escolhas, mesmo que não exista parâmetros sociais ou históricos para os pesarmos. O fiel dessa balança só pode ser encontrado no íntimo de cada um.

domingo, 3 de agosto de 2008

Um conto de transformação


clique na imagem para assistir o trailer

O Castelo Animado, desenho japonês baseado na obra da autora inglesa Diana Wynne, é uma história que apresenta insights poderosos sobre busca interior, transformação e reciprocidade em um nível profundo de leitura que faz todo o dogmatismo costumeiro dos contos de fadas soar bobo e leviano.

Sophie é uma jovem tímida e insegura que vive uma vida reclusa e solitária, tomando conta da chapelaria que herdou do pai. O lugar onde mora está na iminência de uma guerra e um incidente faz com que seu caminho se cruze com o do mago Howl, feiticeiro temido por devorar o coração de moças bonitas. O breve encontro desperta a ira da Bruxa das Terras Abandonadas, que transforma Sophie numa velha de 90 anos. A garota não pode contar a ninguém sobre seu feitiço e, por isso, foge indo parar justo no castelo do Howl.

O castelo é mágico e perambula pelo reino protegendo o paradeiro do bruxo, que é bastante poderoso, mas também narcisista e covarde. Neste lugar itinerante também vivem Markl, um garotinho aprendiz de mago e Calcifer, o demônio do fogo que habita a lareira e mantém o castelo em funcionamento... Mais do que resumir o enredo caleidoscópico do filme, o importante é dizer que nesta história nenhuma personagem é o que parece ser. A trama não se estrutura de forma convencional, uma vez que não há protagonistas e antagonistas declarados. Cada personagem lida com as dicotomias presentes em seu próprio interior e é somente quando todos encontram o equilíbrio interno que tudo ao redor se resolve.

É interessante observar essa dinâmica que não reduz as personagens em clichês maniqueístas. A jovem Sophie se transforma em uma velha, mas essa imagem não é nada além do que já estava presente em seu íntimo... fechada em sua loja de chapéus, encerrada em si mesma, protegendo-se da vida... escondendo-se como que em baixo de um chapéu invisível que tapava qualquer possibilidade de contato com a luz do sol (da vida)... Sua coragem só emerge quando ela se reconhece envelhecida, e não é por acaso que ela torna-se uma florista em determinado ponto da trama. O fato parece querer sinalizar ao telespectador que ela está desabrochando para a verdade da sua própria essência.

Aliás, o filme é repleto de imagens simbólicas. Não é de se pensar como algo tão sólido e estruturado quanto um castelo pode se movimentar, fazendo desfilar pelas janelas as paisagens mais diversas?! Isso mostra o quanto a instabilidade tem peso no enredo. Mostra o quanto tudo está em constante transformação... Daria até pra escrever outro post linkando essa idéia com o conceito de destruição criativa de um post anterior, já que é justamente disso que se trata a catarse de cada personagem e a soma delas para a construção do desfecho.

O complexo processo de purificação de cada elemento pontua o contexto do macro universo em que habitam. Assim, a iminência da guerra coincide com a inquietação interior de cada um; a eclosão da guerra, com a luta que cada um se viu obrigado a travar consigo. E é fundamental perceber que o termo da guerra só pôde ser alcançado quando todas as personagens foram capazes de se redimir, o que faz absoluto sentido se notarmos que havia uma estreita ligação entre elas. Apocalíptico, não?!