terça-feira, 31 de março de 2009

Nós, os decaídos


Programa ótimo para uma sexta feira: passar a noite no cinema! É sério. Você não apenas aprende que é capaz de ficar uma noite inteirinha sem dormir depois de uma semana estafante de trabalho como tenta encontrar, às 6 da manhã, as conexões entre todos os três filmes exibidos, sendo que o segundo deles foi a pavorosa biografia da ex chacrete Rita Cadillac... sessão surpresa, que espantou metade da platéia bem no meio de obras primas como Sinédoque, Nova York e Vocês, os vivos.

À primeira vista parece mesmo que a Rita Cadillac nada tem a ver com os delírios caleidoscópicos do genial Charlie Kauffman ou o realismo absurdo e caricato do sueco Roy Andersson. Não tem mesmo. Mas pensando sobre o tema comum que une as 3 obras encontramos o conceito de velhice... no transcurso da madrugada foi possível compartilhar da decadência fantasiada de um diretor de teatro que mimetiza a própria ruína, do declínio estético de uma mulher decaída e a decadência grotesca de uma sociedade composta de indivíduos egocentrados e insatisfeitos.

Em Vocês, os vivos; Andersson apresenta 50 esquetes que acompanham as vidas vazias de personagens tão vulgares como uma groupie de coração partido, uma punk tardia e obesa, um casal desentendido que desconta suas frustações nas relações que mantém nos seus respectivos empregos, um homem de negócios, um psiquiatra, entre outros...

Cada personagem, não importa o rótulo que carregue, se caratecriza por sua essência fundamentalmente humana, que tenta desenvolver através dos conceitos de existência e felicidade. No afã de preencher as condições para uma realidade plena, tornam-se profundamente distantes. As esquetes mostram uma sociedade onde ninguém dá a mínima para ninguém e todos buscam compreensão.

Achei tão incrível a visão do Andersson; em um mundo que, de forma incansável, vende conexão instantânea a qualquer momento em qualquer lugar, o diretor explicita a solidão aguda em que cada ser humano se encontra. Aliás, o mais incrível nem é apenas essa visão, mas o modo como esta idéia está associada ao conceito de declínio e decadência. A maquiagem dos personagens é caricata: desesperançada e árida, suas atitudes de teatro do absurdo provocam um riso azedo que faz questionar os hábitos sem sentido dos quais somos prisioneiros...

O tom irônico e mofado das situações mais ordinárias torna-se um tanto quanto surrealista, porque nos surpreende com aquilo que constantemente nos negamos a enxergar. Mostra despudoradamente o horror de nossas ambições diante da simplicidade do caminho natural da evolução humana. O caminho que negamos sempre que podemos pois estamos muito ocupados com nós mesmos, mesmo que nossa ocupação seja a de se afogar no próprio tédio. Ah, quanta ilusão!!!

Roy Andersson também é diretor de filmes publicitários, no vídeo abaixo estão alguns do seus melhores:

domingo, 22 de março de 2009

Quit



Apesar de não querer que este se torne um blog meramente referencial não posso evitar mais um post sobre uma campanha publicitária. Esta aqui vem no melhor conceito "Things you own end up owning you" criada pela agência canadense Bleublancrouge para uma ong indiana que luta contra o câncer.

Alertar sobre os males do cigarro não é mais nenhuma novidade, mas achei muito boa a referência à ilusão dos hábitos humanos que não incorrem em outra coisa senão prejuízo de si mesmo. Assim como em O Clube da Luta, a crítica contundente à sociedade de consumo explicita que nos alienamos do self porque nos tornamos o que possuímos, aqui vemos que o hábito de fumar não traz benefício nenhum. É o cigarro que fuma a gente! E as cinzas dos fumantes é que abastecem as grandes corporações tabagistas.

Aliás, diquinha um pouco atrasada, mas quem não viu ainda pode se divertir com a sátira Obrigado por fumar e entender como tudo pode ser distorcido em favor de interesses elitistas. Falando de tudo isso, ainda lembrei da American Legacy Foundation que promove uma sociedade livre do tabaco e inventa as mais loucas campanhas e ações para convencer os americanos de que fumar não é uma boa idéia! O que eu curto mais no posicionamento deles é que trabalham com o conceito de "Truth" (Verdade) e de que "Knowledge is Contagious" (conhecimento é contagioso), então instigam as pessoas a questionarem o que é imposto pela propaganda. Vale ler o post do Carlos Merigo do Brainstorm #9, que li nos idos de 2005 quando ouvi falar pela primeira vez da ALF.

Se você quer parar de fumar, este post é seu lugar. Mas vale lembrar que essa tendência de distorcer a verdade em nome de interesses próprios não é predicado somente da industria do cigarro. Vemos todos os dias como as mais cabulosas atitudes anti-éticas são perdoadas pelos mais ridículos álibis. Está se tornando cada vez mais dificil discernir o certo do errado. Inclusive porque até há pregadores do lema de que não existe "certo" ou "errado". Anyway, eu não posso deixar de acreditar que uma sociedade que não aplica a ética em nenhuma instância é como um câncer que destrói a si mesmo! Como um cigarro que, "inocentemente", está fumando a gente!

segunda-feira, 16 de março de 2009

Cute



Campanha que achei brilhante sobre o transporte público. Claro que não é assim tão maravilhoso andar de busão, ainda mais nas condições em que os mesmos se encontram... ainda mais, nas condições em que as pessoas que andam de busão muitas vezes se encontram (não quero soar preconceituosa, falo porque dividir o mesmo espaço às vezes é terrivelmente impossivel com alguns seres egoísticos que andam bêbados, drogados e emporcalhados, incomodando aqueles que só querem voltar em paz pra casa depois de um árduo dia de trabalho. Afe!)...

É daí que continuo acreditando que um mundo melhor, não se faz apenas de estruturas melhores, mas acima de tudo de pessoas melhores. Pessoas capazes de enfrentar as vicissitudes que se impõem sem se permitirem tornar-se sombras sem dignidade humana.

Pode parecer severo, mas a cada dia acho menos provável que a responsabilidade em tornar as pessoas melhores seja de instâncias governamentais, sociais e etc e mais das próprias pessoas. Eu já defendi muito a luta de classes, mas hoje em dia, percebo que classes são o que menos determinam quem somos. O que determina nossa identidade vem muito mais das escolhas que fazemos dentro do leque de perspectivas que temos, do que dos condicionamentos sociais.

Bom, é o que eu acho! Aqui tem outro filme da mesma campanha.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O outro



"... oh i'm no longer a solitary man...
oh I believe in miracles.
I believe in a better world for me and you."
Dee Dee Ramone

A Nasa vai lançar nesta sexta feira uma missão que pretende descobrir vida humana em planetas similares à nossa Terra. A missão Kepler, defendida durante anos por Carl Sagan, tem por objetivo vasculhar planetas além do sistema solar que orbitam estrelas similares ao nosso Sol {os exoplanetas} em busca de sinais de vida extraterrestre.

É uma notícia excitante, pois é da natureza humana explorar o desconhecido em busca de eco. Somos bilhões ou trilhões (?!) de seres humanos que habitam este mesmo planeta e nos sentimos sozinhos no universo. Eu, pessoalmente, concordo com a afirmação de Sagan que diz ser um tremendo desperdício de espaço um universo desabitado. Mas questiono se o resultado da busca trará o sentimento de conexão que, em ultima instância, buscamos quando nos aventuramos em jornadas assim.

Aliás, eu digo conexão mas imagino que muitos buscam coisas além disso como novos parâmetros de comparação e até novos mercados consumidores. Mas não importa. Vou partir do pressuposto romântico de que exploramos o desconhecido para encontrar as respostas de que precisamos. Suponhamos que será possível à missão Kepler encontrar um tal planeta nosso irmão, com habitantes humanos como nós... Em que grau de desenvolvimento estariam? Provavelmente mais atrasados, ou seriam eles que viriam nos encontrar... E o que aconteceria depois? Dada a estrutura do sistema dominante tenho até calafrios de pensar.

Que fascínio este outro que habita o desconhecido desperta em nós! Mas as respostas que ele pode dar dependem somente das perguntas que cada um traz em si. É uma busca solitária, embora todo o vazio que buscamos preencher só nos é suportável porque temos uns aos outros. "Contato" é uma história do mesmo Carl Sagan que incitou a Missão Kepler. E nesta história, que o videozinho mostra, este contato extraterrenal não ocorre conforme os parâmetros estabelecidos... então imagino que seja sensato estar aberto à tudo, de outra forma não seremos capazes de ver o que pode estar bem embaixo do nariz. Só pode ver milagres quem acredita neles.