domingo, 14 de fevereiro de 2010

Eu vejo você

* Spoiler Alert = Se você ainda não assistiu o filme, esse texto pode estragar algumas surpresas!

Ok, tantos já comentaram, criticaram e resenharam e me pergunto o que mais teria eu a acrescentar ao tema! Estou falando de Avatar, o novo blockbuster do James Cameron... Li uma resenha do Globo que sintetiza perfeitamente tudo o que se pode dizer a respeito. Algo como: você sabe o fim da história desde o começo do filme e ainda assim é imperdível! É mesmo.

Anyway, eu ainda queria deixar registrado (nem que pelo menos pra mim mesma) as impressões que ficaram. Primeiro que assistir uma revolução tecnológica em 3D já foi o máximo! Uma pena que a sala Imax estivesse lotada. Minha última experiência em salas 3D durou 15 minutos, minha filha ficou apavorada com a "densidade visual" da Era do Gelo e quisporquequis ir embora, mal o filme começara. (Filhos!!!).

Mas de volta ao filme... é realmente um roteiro previsibilíssimo! Cheio de estereótipos e maniqueísmos que já cansamos de ver. Mas a imagem que o diretor conseguiu criar para transmitir a mensagem de que a conexão com a natureza é imprescindível à nossa existência é fascinante e tem sim o poder de cativar os corações embrutecidos (quero eu acreditar!). É como se ele tivesse reatualizado mitologias (as quais ninguém presta mais atenção hoje em dia), criando com elas imagens hi-tech inéditas. Trocando em miúdos, ele conseguiu transformar folclore em ficção científica.

Parece inédito, mas a história que ele conta é arquetípica. O povo que ele criou, os na'vi, tem características puramente elementais, seres intuitivos que não perderam a ligação com a natureza... que a respeitam acima de tudo e que inserem-se em seu movimento e atuam dentro de seus limites. Parecem ingênuos, selvagens e primitivos e portanto, o alvo perfeito do etnocentrismo violento, presunçoso e usurpador dos seres humanos. Mas são eles os verdadeiramente sábios, porque possuem a consciência de que a reciprocidade é que faz fluir a energia fundamental que movimenta todo o equilíbrio de Pandora. Achei perfeito eles serem azuis, e ao invés de associá-los aos Smurfs, lembrei das gravuras de mitologia indiana que usa o azul como tom de pele daqueles despertos e espiritualmente elevados.

Achei interessante o contraponto entre os cientistas e os militares: Aqueles que buscam respostas e a massa operacional acéfala que executa ordens sem questionar. Sendo assim, posso tentar palpitar sobre o porque de o protagonista ter sido escolhido por Ewya (a suprema deidade de Pandora). Talvez ele não estivesse totalmente enrijecido dentro de paradigmas racionais científicos (como o seu colega cientista, que no começo sente-se invejoso e injustiçado) mas tinha "subido de nível" porque se dispôs a vivenciar a realidade dos na'vi imerso em sua realidade, de dentro de seu avatar! Uma empatia que um militar jamais admitiria. Ele era o único da história cuja busca ainda não havia se solidificado numa imagem predefinida por ferramentas limitadas constituindo, portanto, um alvo inalcançável!

Em cada momento em que Pandora aparece na tela, ficamos deslumbrados. Não é um mundo árido e artificial como o das super-naves dos seres humanos. É vivo, é literalmente cheio de Luz e consequentemente, de cor... um mundo sinestésico e em HD. Nada está entorpecido, tudo se movimenta. A narrativa vai nos linkando a este mundo ideal, e quando a estúpida avidez militarista ousa destruir tudo podemos sentir o que significa o conceito de "pecado", sem qualquer resquício de hipocrisias católicas.

Quanto mais o herói vivencia a realidade à partir da perspectiva de seu avatar, mais real ela se torna... ou mais consciente ele se torna de um saber para o qual nenhum outro ser humano da história estava preparado (e ele abre o caminho para muitos deles). Pra mim o filme representa muito bem o conceito de ascese. Do mesmo modo como ele transforma folclore em ficção científica, ele transforma religião em ciência. Devolve a esse signo (tão banalizado) sua real profundidade. Escancara uma verdade que todos sabemos ainda que a maioria de nós a tenha escondido de si mesmo.

Não é por acaso que a cena final do filme é um closeup dos olhos do protagonista se abrindo. Ao sermos invadidos por olhos que se abrem imensos e nos perscrutam, e ao lembrar da reciprocidade que preenche a saudação na'vi "Eu vejo você", nos sentimos imediatamente impelidos a olhar para nossa própria alma e perguntar: estou desperto?

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