quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Caminhando e Cantando


Dia desses eu cometi a insanidade de caminhar pelo centro dessa paulicéia desvairada em plena luz dos postes do início do século XX, ou seja: à noite... quando cerram-se as portas do comércio tradicional da cidade, as ruas dali podem se transformar em decadentes redutos de consumidores de crack. Já é deprimente ver aquilo na TV, então imaginem ao vivo a poucos passos de distância...

Anyway, não eu não fui até lá apreciar ou me envolver em nenhuma atividade ilícita... Fui com o nobre propósito de extirpar a visão apavorante e preconceituosa que sempre nutri pelo centro. Achava que o simples fato de colocar os pés ali, já indicava que alguma coisa ruim ia me acontecer... péssimo, não?! Bom... acontece que por ali tem um grupinho muito animado que se reúne às quintas-feiras, 8 da noite em ponto, em frente ao Teatro Municipal e munidos de um microfone, um guia e personagens cheias de histórias pra contar vão desvendando o passado de casarões e prédios de toda a região na Caminhada Noturna que já faz parte do roteiro turístico da cidade.

A proposta consiste em encorajar a revitalização dos bairros centrais inserindo-os nos roteiros de turismo e fazer com que as pessoas comecem a enxergar o que, geralmente, decidem não ver. Realmente, é incrível como o simples fato de ficar sabendo qual a origem daqueles prédios e monumentos faz com que eles passem a, de fato, existir! E, mesmo sendo impressionante/apavorante presenciar aquelas pessoas fumando crack assim em plena rua... o passeio vale a pena.

Eu amei a experiência, mas gostaria de enfatizar um pequeno detalhe que chamou minha atenção durante o passeio. Aconteceu quando chegamos na Praça Princesa Isabel e todo o grupo parou no meio de uma partida de futebol de rua de uns garotos que devem morar por ali, interrompendo o jogo... O guia queria nos mostrar o imponente monumento do Duque de Caxias esculpido pelo italiano Victor Brecheret e acho que não percebeu que a garotada se aborreceu... Um deles até pediu para darmos licença, o guia perguntou: por que? e o menino respondeu: porque estamos jogando bola. Mas o guia o decepcionou dizendo: Ah! é rápido, já vamos sair... Mas acho que para quem estava no auge da emoção da partida aquilo não foi nenhum pouco rápido. Mas o pior foi que depois dos séculos que nos demoramos ali no meio do "campo de futebol", o guia nem sequer agradeceu a paciência dos moleques!!!

Só menciono essa desatenção, porque a postura do guia (e do restante do grupo tambem, já que todos estávamos ali) não é nenhum pouco coerente com a bonita filosofia do movimento. Revitalizar o bairro não é apenas contemplar construções históricas, é sobretudo incentivar as ações que fazem com que os moradores daquele lugar vivam em harmonia e felicidade. Eu achei o máximo saber que tem meninos jogando bola na rua aquela hora da noite num lugar onde eu, preconceituosamente, achava que só existia coisas ruins.

De fato, o problema com o turismo e a idéia de fazer dele um produto sustentável tem a ver mais com a postura do turista com a relação às pessoas que habitam os lugares que visita do que com sua postura com os lugares somente. O segredo está em perceber as pessoas... talvez porque ninguém saiba sua origem, seu passado, não entendam que elas, de fato, existem... Talvez seja exagerado falar tudo isso, e é claro que os meninos também poderiam pausar espontaneamente seu jogo e ir ouvir a história do lugar onde moram... Mas se alguém tem que começar essa empatia, eu diria que o grupo de caminhada poderia bem cativar os moradores do mesmo jeito que cativou a nós, os "turistas".

Ah! e vai uma dica, é preciso ir preparado: são duas horas de caminhada, então leve agua, vá com roupa e sapatos confortáveis e faça xixi antes, porque será difícil achar um banheiro.

2 comentários:

  1. Bacana Érica. Deve ser muito interessante mesmo. Pena que quase sempre o olhar exótico dos visitantes não percebe a vida ao redor.
    Abraços!

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  2. Legal que vc comentou Gus! E é verdade, o turismo ainda é muito "egocêntrico". Uma pena que não aprendemos a nos adequar ao meio e sim ficamos querendo que o meio torne-se adequado a nós! Mas, são os frutos do capitalismo, né. Abraço.

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