sábado, 26 de setembro de 2009

A intuição

Faz tempo que quero escrever sobre ela... mas nunca sei por qual fio da meada puxar esse assunto que muitos tratam como mera superstição e outros como amuleto para resolver questões em qualquer nível de complexidade... Enfim, a intuição é matéria da espiritualidade. Só pode acreditar nela, aceitando-se anteriormente o pressuposto de que o ser humano, além de mamífero, é também um ser espiritual!

Digo "aceitando-se", mas talvez seja melhor dizer "decidindo-se em favor do pressuposto de que blábláblá"... É difícil entrar no reino metafísico sem parecer dogmático quando o materialismo é um traço predominante da era atual! Eu repudio dogmas... E tento escrever o que na verdade são efeitos de vivências e experiências muito pessoais. O que significa que muitas vezes vou estar errada... mas que algumas vezes vou me sentir ligando os pontos de um quebra cabeças que pode fazer sentido exclusivamente para mim. Caso algum leitor sentir que esses pontos que ligo também completam seus quebra-cabeças pessoais, pergunto-me: que voz dentro deles desencadeou tal sensação: a razão, a emoção ou a intuição? Todas as três juntas?

Quando leio o Rubem Alves por exemplo. E me sinto prestes a chorar ao constatar que aquele exato parágrafo que acabei de ler contém uma verdade, um lumezinho de uma pista que me leva a ligar pontos do meu quebra-cabeças, daí penso que minha intuição é que ilumina aquele determinado pedaço de verdade, como quando apontamos um caco de espelho em direção ao sol. E então, minha razão, meu raciocínio liga cada luzinha dessas que minha intuição iluminou ou refletiu e forma um todo com sentido... não, um quase-todo com sentido! Minha emoção? Ela me faz querer chorar quando leio coisas como "Há um momento na vida em que cada separação anuncia a Grande Separação"...

Posso tentar definir intuição não pelo que ela é, e sim pelo que não é! Não é o ato de encadear conceitos e formar panoramas lógicos. Este é trabalho da razão. Mas é bússola que mostra quais conceitos encadear, que idéias articular... Mas, também não quero me aventurar nesse discurso pseudo-metafísico de lógica e hipóteses. Talvez eu não precise tentar definir o que a intuição seja. Mas admiti-la significa admitir que brilha em nós a centelha de algo eterno. E que se carregamos semelhante instrumento, é lógico e óbvio admitir também que, a menos que a apaguemos, não estaremos caminhando no escuro... As imagens inconscientes produzidas por esses cacos de espelhos tremeluzentes têm o poder de fazer brotar convicções em nível consciente, mas somente se silenciarmos todos os ruídos que preenchem nosso eu interior e nada nos dizem na realidade.

É amplamente aceito que a intuição é qualidade feminina! Mas isso não quer dizer que só as mulheres a possam possuir, apesar de terem banalizado o termo com previsões ridículas sobre romances e riqueza material, o que muito deve ter contribuído para que quem quisesse ser sério de verdade, privilegiasse a sensatez do intelecto.

Estou lendo esse livro fantástico da Editora Antroposófica que fala das fases da vida (minha mãe sempre acerta). Bernard Lievegoed, o autor, quer nos mostrar que a biografia humana se dá através de fases, mas que principalmente o fio que perpasse as fases e dá unidade identidade a biografia é composto do sentido que buscamos para a vida. Comecei a ler ontem, então não posso falar muito. Mas estou achando o máximo a introdução quando ele diz que todo desenvolvimento busca uma finalidade. Nós como seres humanos que somos enfrentamos simultaneamente, pelo menos 3 tipos de desenvolvimento: biológico, psicológico e espiritual. É facil entrar em acordo quanto à finalidade do desenvolvimento biológico: o homem nasce, cresce, atinge o ápice, reproduz-se e morre! As duas outras abordagens são tema frequente de controvérsias. Mas ele, Bernard, ao polarizar o mundo espiritual e o mundo físico prevê que cada desenvolvimento ocorre no intervalo entre polaridades afins. Assim:

O desenvolvimento biológico ocorre na polaridade entre maturação e declínio.
O desenvolvimento psicológico ocorre na polaridade entre extroversão e introversão.
O desenvolvimento espiritual ocorre na polaridade entre criatividade e sabedoria.

Bernard ainda afirma que o meio caminho entre estas polaridades é que fornecem os frutos do desenvolvimento estável: boa saúde, paz de espírito e plenitude, respectivamente. O que isso tem a ver com intuição? Respondo com um grifo do mesmo livro:

"Em certa medida este desenvolvimento ocorre naturalmente, mas sua plenitude só poderá ter lugar se nós quisermos levá-lo conscientemente até o fim. A educação de origem externa é então suplementada pela auto-educação de origem interna, às vezes denominada caminho de desenvolvimento interior. É somente assim que o desenvolvimento do pensamento, do sentimento e da vontade pode ser completado, e apenas então o homem desabrocha plenamente para tornar-se o que é capaz de ser. A inteligência cresce em estatura para tornar-se sabedoria, a habilidade para comunicar-se se transforma em delicadeza e a auto-afirmação se torna confiança."

Eu só consigo enxergar êxito neste caminho se contemplarmos a intuição, que se relaciona com o desenvolvimento da vontade que o texto fala. Somente a intuição, a meu ver, pode ser este guia para um caminho interno de desenvolvimento em busca de plenitude espiritual. Mas há aqueles, e este é mais um grifo do livro de Lievegoed, que acham o caminho do desenvolvimento sistemático muito lento, e que acreditam virem a ser capazes de avançar rumo a uma consciência superior com a ajuda da química. Certamente, experimentam o ultrapassar de um limiar, encontrando-se então, porém, numa área crepuscular na qual se familiarizam com experiências altamente emocionais para o indivíduo, mas que não poderão usar posteriormente. Pelo contrário, nós os vemos deslizando sempre mais para a alienação, ou até refugiando-se em drogas mais fortes.

Mas enfim, como desvencilhar-se da utilização unilateral de nossas faculdades que desembocam quase sempre em lógicas limitadas e frustrantes que não nos mostram de fato, o sentido que devemos seguir? O silêncio, com certeza é uam arma. A disciplina é outra. Mas sobretudo, esta auto-educação deve nos levar ao equilíbrio entre nossos pensamentos, palavras e ações. Para finalizar, deixo mais um grifos para que encontrem eco em nossos espíritos:

“Vós, que muitas vezes procurais de modo tão convulsivo encontrar o verdadeiro caminho, por que fazeis tudo assim tão difícil? Imaginai com toda a simplicidade como flui através de vós a força pura do Criador, a qual dirigis com os vossos pensamentos em direção boa ou má. Dessa maneira, sem esforço nem quebra-cabeça, tereis tudo! Considerai que depende da simplicidade de vossas intuições e pensamentos, essa força prodigiosa acarretar o bem ou o mal. Que poder benéfico ou destruidor vos é concedido com isso!

Não precisais nesse caso fazer tal esforço que vos provoque suor na fronte, nem precisais agarrar-vos às chamadas práticas ocultistas, a fim de, mediante contorções corporais e espirituais, possíveis e impossíveis, alcançar algum degrau totalmente insignificante para vossa verdadeira ascensão espiritual!”

“Lembrai-vos com alegria pura, que podeis, sem nenhum esforço, através de vosso simples e bem-intencionado intuir e pensar, dirigir essa força única e gigantesca da Criação. Exatamente de acordo com a maneira de vossa intuição e de vossos pensamentos são os efeitos dessa força. Atua por si, bastando apenas que a guieis. Isso se processa com toda a simplicidade e singeleza! Para tal não se faz necessário erudição, nem mesmo saber ler ou escrever. A cada qual de vós é dado em igual medida! Nisso não há diferença.

Assim como uma criança pode, brincando, ligar uma corrente elétrica, mexendo num interruptor, disso decorrendo efeitos incríveis, da mesma forma vos é outorgado o dom de guiar a força divina, através de vossos simples pensamentos.”

(Trechos da dissertação: Responsabilidade, Abdrushin, Na Luz da Verdade)

3 comentários:

  1. Érica você diz que “a intuição, não trata-se de um simples sexto sentido que está atrelado mais a um gênero que a outro. Hoje em dia tanto homens quanto mulheres calam essa voz do espírito e preferem deixar-se guiar por emoções imediatistas ... depois desesperam-se por não encontrarem mais sentido em sua própria existência”
    No entanto, permissa venia rs.., acho que você está equivocada em relação ao conceito de intuição, pois intuição é a “emoção imediatista”, é a percepção clara e pronta, sem necessidade da intervenção do raciocínio... é aquela primeira vista ou até pode ser visão beatífica ou visão que os efeitos têm divindade (Grande Dicionário Enciclopédico Rideel), ou seja, intuição é aquilo que você falou que não é.
    Não satisfeito, procurei no Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais (III Volume, Ed. Matese 4. Ed – 1966), que ganhei recentemente todos os volumes de meu tio (o dia que vier a Franca se quiser ver lhe mostro – é muito legal), o significado filosófico de Intuição, uma vez que suas análises são desta natureza.
    Ao folhear a referida obra fui surpreendido com o tamanho do desmembramento que o conceito de Intuição causa.
    Assim, gostaria de lhe passar, resumidamente, o conceito previsto neste dicionário, pois acho que vai gostar:
    Intuição vem do latim intus e ire, ir dentro.
    Filosoficamente é admitida a hipótese da intuição sensível que “é o meio de captação imediata do fenomênico do mundo exterior por um ser vivo”. Esta intuição sensível apresenta quatro fases. 1. Intuição Primaria (intuição reflexa). 2. Secundária ( por meio dos sentidos). 3. Terciária (quando da formação do sistema cérebro-espinhal). 4 Quaternária (intelectual com distinção do semelhante e do diferente).
    A intuição intelectual se enquadra nesta quarta fase, pois “A captação imediata das semelhanças e das diferenças.
    Tem também a intuição eidética que exige o operatório intelectual, da razão, e é o produto de uma operação por meios, embora nos pareça instantânea, no grau de conhecimento em que está o homem civilizado, ela é uma ação mediada.
    E, por incrível que parece, há, ainda, a intuição apofântica, esta Érica é aquela que ilumina quando está escuro. “que torna compreensível, subitamente, o que não nos parecia claro”.
    Acho que é essa que devemos prezar Érica, pois a intuição apofântica é o desvelamento súbito de um possibilidade, a descoberta de um poder e se revela em todos.
    É a iluminação instintiva que poderá nos levar a um caminho mais feliz, alegre...
    Que caminhemos Érica.............
    bjo

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  2. Achei bonito essa intuição apofântica! Poético!!! Mas, veja bem, a intuição é uma imagem que forma-se sem a necessidade da atuação do raciocínio. Só que isso não significa que ela seja uma "emoção imediatista"... Não acho coerente associar a palavra intuição e emoção como sinônimos. A emoção é mais um estado neuropsicofisiológico. Quando digo que as pessoas calam a voz de sua intuição para se deixarem guiar por emoções imediatistas, quero dizer que, justamente, se atrelam a esse raciocínio que não é necessário para a intuição. Não conseguem elevar-se em direção ao campo intuitivo pois se sobrecarregam com emoções que pertencem ao mundo físico, e não ao mundo delgado e espiritual onde sua intuição atua. Seria mais prudente associar a palavra intuição à palavra iluminação. Por isso gostei desse conceito aristotélico de apofância que colocaram no seu dicionário... Phaos (radical grego da palavra) é o mesmo que luz. Mas olha que interessante: esse conceito se caracteriza por definir os objetos através do confronto de verdadeiro e falso. A oposição produzindo um juízo! Voltamos às dualidades...

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  3. Queridos;
    este blog está ficando tão intelectualizado e tão culturalmente inacessível, devido ao nível dos artigos e consequentes discussões que se formam, que dificilmente verei acontecer o que mais quero: "vê-lo na boca do povo", inversamente a isso, alegro-me com o fato de existir ainda jovens com um caráter reflexivo mais profundo que "baladas, babaquices e drogas" da época atual.
    Comentários à parte, sugiro que leiam do Volume II da Mensagem do Graal de Abdruschin, as dissertações:"A Voz Interior", pág34 e "Intuição", pág424, é um banho de simplicidade profunda, sobre um assunto tão polêmico quanto desconhecido, da maioria.
    Por fim, como sempre, regozijo-me com a autora do blog, a escolha de temas tão pontuais, quanto intrigantes e ainda com a exortação: "torna-se o que é capaz de ser", a qual deveria sim, ser nossa busca incansável, nossa missão, nosso norte.
    Bjs

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