O escritor suíço Denis de Rougemont, um arguto defensor da unidade européia e, especialmente, um estudioso da ocidentalidade, disse algo (em meados do século passado) que inspirou discursos conhecidos de muitos políticos: "A decadência de uma sociedade começa quando o homem pergunta a si próprio: ‘O que irá acontecer?’, em vez de inquirir: ‘O que posso fazer?’".
A decadência (seja ela na sociedade mais ampla, seja em quaisquer instâncias, como família, trabalho, política etc.) principia quando o imperativo ético da ação é substituído pela acomodação e pela espera desalentada, isto é, quando se abre mão do dever que emana da liberdade e exige, para ser exatamente livre, uma intervenção consciente. Isso é lembrado em razão de um sorrateiro entorpecimento que acomete a muitos, aniquilando pouco a pouco a capacidade de reagir e de apontar como fora de lugar muitas coisas que parecem encaixar-se, sem arestas, na vida cotidiana e que precisam ser fortemente rejeitadas, de modo que esta não dê lugar ao abatimento que apenas aguarda, em vez de buscar provocar resultados.
Estamos nos acostumando —com rapidez e sem resistência ativa— com alguns desvios que parecem fatais e inexoravelmente presentes, como se fizessem "parte da vida": violência, desemprego, fome, corrupção e outros. É a prostração como hábito! E o conveniente pesar estampado no rosto e nas palavras para disfarçar uma simulada impotência individual mas que, no fundo, é expressão de um egonarcisismo indiretamente conivente. Tão confortável assim pensar... Lembre-se, então, de Fernando Pessoa, para o qual "na véspera de não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas".
Pode-se argumentar que, felizmente ainda há muita esperança. Mas, como insistia o inesquecível Paulo Freire, não se pode confundir esperança do verbo esperançar com esperança do verbo esperar. Aliás, uma das coisas mais perniciosas que temos neste momento é o apodrecimento da esperança; em várias situações, as pessoas acham que não há mais jeito, que não há alternativa, que a vida é assim mesmo... Violência? O que posso fazer? Espero que termine... Desemprego? O que posso fazer? Espero que resolvam... Fome? O que posso fazer? Espero que impeçam... Corrupção? O que posso fazer? Espero que liquidem... Isso não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo. E, se há algo que Paulo Freire fez o tempo todo, foi incendiar a nossa urgência de esperanças.
Seria possível também usar aqui palavras como desalento, desânimo ou até covardia tolerante. Júlio Cortázar, o argentino que deu novos contornos à prosa latino-americana dos anos 60 em diante, afirmava que "a covardia tende a projetar nos outros a responsabilidade que não se aceita". Ou, pensado de outra forma, visite-se o romancista francês Jules Renard, com sua obra permeada por ironias cruéis (uma delas, aqui representada em 1957 por Cacilda Becker com o nome de "Pega-Fogo"): "Dando ouvidos apenas à sua coragem que nada lhe dizia, ele absteve-se de intervir".
Por isso resignar-se é, de forma contundente, concordar involuntariamente ou até ser cúmplice passivo. Melhor ficar com o vaticínio de André Destouches, compositor e diretor artístico da Ópera de Paris no reinado de Luís 15; o músico, especializado em tragédias líricas (como as que muitos pensam estar vivendo), advertia que "os ausentes nunca têm razão".