O filme "O Visitante" podia ser apenas um retrato de como os EUA passaram a tratar os imigrantes muçulmanos depois do 11 de setembro. Mas, muito além disto, o contexto é pano de fundo para uma história tocante sobre transformação pessoal.
O ator Richard Jenkins dá vida ao inexpressivo professor universitário Walter... um homem apático que parece nada fazer por ninguém dentro de sua confortável posição de catedrático...Dá aulas no mesmo curso há 20 anos. Publicou 3 livros e finge estar escrevendo um 4º como álibi para não se envolver com nada e ninguém. Incapaz de olhar para fora de si mesmo, Walter parece viver o ritmo mecânico daqueles que não acreditam mais, que não se movimentam mais e estáticos, tudo fazem para preservar o status que crêem terem conquistado na vida.
Assistimos Walter tentando aprender piano... sem sucesso. Ao ser dispensada, a quinta professora tenta dissuadi-lo da idéia de aprender música. Ele não tem dom.
Ao ser obrigado a deslocar-se até Nova York para uma conferência em que irá apresentar o paper de um trabalho do qual é co-autor (mas que na verdade nunca escreveu) Walter depara-se com o primeiro confronto que desencadeia todo o processo de transformação que sofrerá a partir de então. Seu apartamento está sendo ocupado por um casal de imigrantes muçulmanos: Tarek, um sírio de sorriso cativante e a imponente senegalesa Zainab! Mundos muito diferentes do de Walter estão ali em sua sala e em sua banheira... Talvez o susto faça com que Walter deixe por um momento de ser tão racional. Depois de terem concordado em sair da casa no meio da noite, o casal é convidado por Walter para passar aquela noite ali.
Estranho! Visto o homem não se interessar por nada ou ninguém!
Um pouco de alma começa a surgir em Walter, seu mundo vai se misturando ao mundo de Tarek e Zainab. Sua apatia vai se transformando em interesse pela música que Tarek produz com seu djembê. Tarek é então preso em uma estação de metrô. Não havia feito nada errado. Mas era um muçulmano ilegal nos EUA após o 11/9! É revoltante ver como o medo pode embotar a humanidade de um país! Mas em maior escala faz referência à dor de Walter que também o embotava antes de Tarek e Zainab.
Walter se envolve mais! Contrata um advogado. Adia sua volta para Connecticut. Pratica o djembê. Aproxima-se de Zainab e da mãe de Tarek, Mouna. São dois momentos que achei bem marcantes na história: quando Tarek começa a ensinar Walter a tocar o instrumento, ele diz - Sei que você é um homem muito esperto, mas só por agora não pense! Pensar só vai atrapalhar. Depois da prisão de Tarek, Walter leva Mouna para conhecer a Broadway e durante o jantar confessa - Eu não sou ocupado. Eu finjo! Finjo que dou aulas e que escrevo um livro, mas não faço nada.
Quantos de nós não está finjindo nesse exato momento?! Ocupados em não fazer nada?! Quantos de nós é capaz de parar de pensar e apenas sentir?! Quem é capaz de acertar o passo com um ritmo que nos envolve em algo muito maior que nós mesmos e nos revela que por maior que seja nossa capacidade cerebral ela nada significa se estiver a serviço do egoísmo? E é por isso que este filme precisa ser assistido. A questão da imigração é muito específica e temporal dentro do contexto humano da história. O essencial aqui é ser capaz de aprender a enxergar o outro sem resquícios de etnocentrismo e passar a enxergá-lo como um "outro eu", o que nos torna muito mais conscientes e o que teria o poder de dissipar qualquer medo e qualquer dor que nutrem todas as hostilidades do mundo.
Walter aprende que a vida não tem sentido sem o outro. Aprende que não pode ser uma ilha. Muito longe do sentido sociológico, Walter descobre um utilitarismo a serviço de algo realmente grande: o outro. Seus motivos egoístas e suas tristezas pessoais curam-se quando aprende a doar-se. Como poderia se manter apático depois de uma lição assim aparecer de visita: vivencia de forma contundente a dinâmica do dar e receber: Walter ganha de volta sua alma e a redime numa estação de metrô de NY batucando o djembê como alguém que tem muito dom pra música!
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